Em São João del-Rei e na região das Vertentes, os dados expõem a discrepância entre a presença feminina na sociedade e sua representação nos espaços de poder

Por Ana Clara Reis, Felipe Lopes, Vitor Hugo e Yasmin Amaro

Plenário da Câmara com ampla maioria de homens em eleição da mesa  Foto: Cleia Viana / Câmara dos Deputados

A ausência de representação feminina na Câmara Municipal de São João del-Rei mostra em número este fato evidente. De acordo com o site oficial da câmara de São João del-Rei, dos 13 vereadores eleitos nos anos de 2024, somente três são mulheres: Cassi, Sinara Campos e Rosinha do Mototaxi. Mesmo com a existência de leis que auxiliam e incentivam a presença de mulheres em espaços políticos, a participação feminina ainda é reduzida no município.

Esta escassez, não é recente. Ao longo de 300 anos da Câmara Municipal de São João del-Rei (MG), somente sete mulheres exerceram o mandato de vereadora até os dias de hoje. Entre estes nomes de destaque estão: Lívia Guimarães, eleita em 2012 pelo Partido dos Trabalhadores (PT), defende pautas como direitos das mulheres, práticas integrativas e questões ambientais, foi  reeleita em 2016 ; Jânia Costa filiada ao Partido da Renovação Democrática (PRD), exerceu três mandatos ,com destaque como presidente municipal em 2009/2010 no partido do (PRD); Rosinha do Mototáxi, do Republicanos, foi eleita vereadora pela primeira vez em 2008, retornou  à Câmara Municipal em 2020 e reeleita em 2024, está em seu quarto mandato; Sinara Campos, eleita pela primeira vez em 2024,representando o Partido Verde (PV); Vera Polivalente iniciou sua carreira política como vereadora em 2008 e foi reeleita em 2012. Mara “Protetora dos Animais” ingressou na política em 2020 e foi eleita vereadora pelo Partido Social Cristão (PSC) em sua primeira candidatura. E Cassi foi eleita em 2024,também em sua primeira disputa eleitoral , representando o Partido dos Trabalhadores(PT). 

Poucas dessas mulheres exerceram cargos de liderança. Somente Jania Costa, a primeira mulher eleita presidente na Câmara Municipal de São João del-Rei, exerceu o cargo no ano de 2009; Rosinha do Mototaxi,  vice-presidente da Mesa Diretora no ano de 2025 e preside a Comissão de Administração Pública  em 2025; Cassi Pinheiro assumiu a presidência da Comissão de Participação Cidadã para o período de 2025; Sinara Campos assumiu a presidência da Comissão de Saúde durante a legislatura de 2025. Apesar de poucas mulheres ocuparem estes cargos, é visível a presença ativa delas na política sanjoanense.

Entretanto, apesar do baixo número, 73 mulheres foram candidatas em São João del-Rei nas últimas eleições, mas somente 3 foram eleitas. A baixa representação e visibilidade refletem a desigualdade presente entre homens e mulheres em âmbito político municipal e estadual. Nas Vertentes de Minas Gerais, a escassez de mulheres nas Câmaras em comparação aos homens também está evidente.  Em Lagoa Dourada, houve somente uma vereadora; em Resende Costa, apenas uma; em Barbacena, duas vereadoras; e, em Lavras, quatro vereadoras. A baixa presença feminina está inserida também em âmbito Estadual, onde 23.915 mulheres se candidataram contra 68.724 homens na disputa eleitoral; somente  15,6% dos cargos foram ocupados por mulheres em Minas Gerais. Assim, nos próximos três anos, somente 1.332 mulheres e 7.194 homens ocuparam o mesmo cargo.

Segundo o IBGE, mostram-se dados da divisão da população por sexo para viabilizar a discrepância entre representatividade e presença feminina na cidade de São João del-Rei, é composta por 40.549 homens (48%) e 43.920 mulheres (52%), conforme os dados mais recentes.. Em Lagoa Dourada, a população é de 12.256 pessoas , sendo homens (51,8%)  e mulheres (48,2%). Resende Costa Os dados indicam a presença de  homens (49%) e mulheres (51%).Já em Barbacena, a população total registrada é de 125.317 habitantes. Desse total,  são mulheres (52,5%) e homens (47,5%). Esses números evidenciam que as mulheres representam uma parcela ligeiramente maior da população na maioria dessas cidades. No entanto, mesmo com a predominância numérica, ainda existe uma baixa integração de mulheres na política.

Entretanto, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS 5) busca garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na esfera pública, em suas dimensões política e econômica, considerando as intersecções com raça, etnia, idade, deficiência, orientação sexual, identidade de gênero, territorialidade, cultura, religião e nacionalidade, em especial para as mulheres do campo, da floresta, das águas e das periferias urbanas. Nota-se uma pequena mudança no cenário político, relacionada também com as leis que atendem também o ODS 5. Cerca de 10.624 vereadoras em Minas Gerais foram eleitas, um crescimento de 13,47% em relação a 2020, quando 9.371 mulheres conquistaram cargos de vereança. Dados esses que dão um parâmetro geral sobre a discrepância numérica nas câmaras municipais entre homens e mulheres.

Vereadora Cassi Pinheiro (PT) em encontro sobre o direito das mães no judiciário pelo Fórum de mulheres das Vertentes. Foto: Reprodução/Instagram

Entramos em contato com as vereadoras da Câmara Municipal de São João del-Rei para podermos ter informações sobre a vida política das parlamentares, Cassi Pinheiro (PT) e Sinara Campos (PV) concederam entrevista e relataram suas respectivas trajetórias na política como mulheres. A petista de 38 anos afirmou que entrou na política pela militância em grupos como o Fórum de Mulheres das Vertentes pelo qual ela milita até os dias de hoje em conjunto com a jornada partidária. A arquiteta tem uma visão muito central referente a mulher nesse campo. Ela cita inúmeras vezes as diferentes barreiras e desafios de ser uma vereadora e como essas dificuldades entram em contato com sua atuação profissional. Sinara Campos de 40 anos, ex-prefeita de Santa Cruz de Minas por dois mandatos, natural de São João del-Rei, a vereadora tem ampla história na vida política, desde o início da juventude concorre a diferentes cargos políticos ela possui uma grande carreira tendo atuado em prefeituras como a de Barbacena, Santa Cruz de Minas e atualmente legislando no município de São João. Ela tem um enfoque na saúde pública como carro chefe de seu gabinete e trajetória, a mesma já foi secretária da saúde em outro município. 

De maneira geral, se discutiu muito as diferenças de gênero no âmbito político. As duas entrevistas perpassam essas desigualdades e como elas afetam a atuação de mulheres neste campo e a falta de um olhar para as mulheres nos espaços de legislação. Outra questão discutida é a maneira pela qual mulheres são descredibilizadas ao proporem suas ideias no plenário, a vereadora pelo PV afirma que já foi silenciada em diferentes espaços: “Você é interrompida, é ignorada a sua fala. E, por isso, muitas das vezes, a gente tem que se exaltar para ser ouvido. Mas acontece todo o tempo isso, infelizmente. E tanto no espaço executivo também.” 

Ao se deparar com essa diferença na representação um problema se torna evidente, a falta de políticas públicas voltadas para o público feminino, tanto Sinara como Cassi comentam suas propostas para as mulheres: agendas como a saúde pública, em pautas oncológica, gestação ou então a política de cuidados que fala sobre as mulheres que têm dupla jornada de trabalho e cuidam de seus filhos e são CLT. A vereadora pelo PT cita em diversos momentos que seu mandato tem um enfoque muito grande para as mulheres: “Sim, a gente sempre teve a pauta dos direitos das mulheres como uma pauta prioritária […] nós vamos olhar para a saúde, a gente vai olhar para a saúde da mulher. Então, a pauta da mulher sempre vai cruzar as nossas lutas e os nossos trabalhos”. A representatividade proposta pela vereadora coloca em destaque a necessidade de mulheres estarem em espaços de poder e atuarem em temas não alcançados pela política tradicional. Durante a entrevista, de maneira natural, elas citaram a política protagonizada por homens em frases muito próximas. Enquanto para Cassi há “espaços que para os homens é muito natural que eles ocupem”, Sinara diz que “é um espaço criado de homens para homens” , porém ao serem questionadas sobre a mulher ocupando espaços políticos elas relatam o poder de resistência e a posição de lutar pelos direitos das mulheres em meio a uma política consolidada por seu conservadorismo. 

Marina Campos (PSOL) nas eleições municipais de 2024. Foto: Reprodução/Instagram 

Dentre as que lutam contra a correnteza e marcam presença nas campanhas eleitorais, destaca-se Marina Campos, professora de Geografia, assessora política na Executiva Nacional das Mulheres do PSOL e presidenta do partido em São João del-Rei desde 2019. Sua trajetória na política começou bem antes do envolvimento partidário: filha de trabalhadores rurais, cresceu cercada de referências de luta. “Meu pai era sindicalista rural, minha avó era ligada a partidos trabalhadores […] e meus tios, sindicalistas da saúde e da educação, defendiam os serviços públicos”, explica.

Sua participação nas eleições municipais teve início em 2020, em um cenário marcado pela pandemia da Covid-19, ascensão da extrema direita no país e pela demanda urgente por políticas públicas, como a vacinação. Diante desse contexto, Marina foi incentivada por coletivos e pelo PSOL a disputar uma vaga na Câmara Municipal — uma candidatura que não nasceu apenas de uma vontade individual, mas de uma decisão coletiva, baseada no entendimento de que era preciso ocupar institucionalmente esse espaço como forma de resistência política. Naquela eleição, obteve 333 votos e foi a candidata mais votada do partido, mesmo com um financiamento significativamente inferior ao das demais candidaturas.

A trajetória revela os obstáculos enfrentados por mulheres que buscam ocupar espaços de poder. Ela identifica, na própria experiência, a persistência de uma cultura política que ainda associa liderança e autoridade à figura masculina,  somente uma com pautas progressistas e comprometidas com os direitos das mulheres, o que evidencia as limitações mesmo dentro do campo. 

No âmbito político-partidário, ela destaca que o Brasil ainda enfrenta barreiras estruturais que dificultam a efetiva participação das mulheres. Apesar da obrigatoriedade legal de que 30% das candidaturas sejam femininas, muitas delas continuam sendo “laranjas” ou recebem menos financiamento. Para além da disputa, Marina defende a adoção de cotas para a ocupação das cadeiras legislativas e reforça a necessidade de formação política desde a base, incentivando a autonomia e a organização das mulheres em coletivos e espaços de militância. “A gente precisa de medidas mais estruturantes, como cotas para a ocupação das cadeiras, não só para as chapas. E mais, é preciso formação política, incentivo, e redes de apoio para que mulheres — especialmente as jovens — se sintam encorajadas a disputar esses espaços”, comenta.

Sua trajetória, marcada por resistência, engajamento e defesa dos direitos das mulheres, reflete os obstáculos ainda presentes, mas também aponta caminhos possíveis para ampliar a participação feminina nos rumos da cidade. Além dos desafios enfrentados nas campanhas, Marina também relata episódios de machismo tanto em espaços institucionais quanto no interior da militância, onde sua fala foi frequentemente interrompida, desconsiderada ou até repetida por homens que acabavam recebendo mais atenção. 

Entre os episódios mais marcantes, Marina recorda a participação em uma mobilização feminista na Câmara Municipal de São João del-Rei, organizada para protestar contra a aprovação do Dia do Nascituro. Segundo ela, o momento foi marcado por forte hostilidade, com violência verbal e intimidações que chegaram a ameaçar a integridade física das mulheres presentes. A reação, especialmente de grupos conservadores contrários ao feminismo, expôs a resistência que pautas de gênero ainda enfrentam no município.

Para Marina, a baixa representatividade feminina na Câmara impacta diretamente as decisões políticas e a formulação de políticas públicas. “Uma cidade pensada para mulheres e crianças é uma cidade pensada para todo mundo”, afirma. Segundo ela, a escassez de mulheres comprometidas com pautas de igualdade faz com que temas como acesso à moradia, vagas em creches, saúde da mulher e educação pública de qualidade sejam negligenciados ou tratados de forma secundária. Como conselho às jovens que desejam ingressar na política, Marina declara: “Nunca deixem que nos rebaixam ou digam que somos menos por falta de experiência […] A força da juventude, a energia de renovação, de transformação social […] é fundamental na política.”

Com o exercício de investigar diferentes frentes relacionadas ao tema, algumas pessoas foram entrevistadas no centro do município, sobre o conhecimento e opinião em relação à presença feminina na política, diferentes opiniões foram ouvidas com o propósito de dar voz a população  e extrair diferentes visões sobre  sua relevância e consequências para a sociedade civil.

Uma das entrevistadas foi a lavradora Viviane Martins, cidadã de Conceição da Barra de Minas, que contou ter votado em sua cidade no ano eleitoral. Durante a pequena entrevista, enfatizando o fato de que em sua cidade natal não existe a presença feminina na Câmara, ela cobra a necessidade de políticas voltadas para as mulheres em seu município. “Lá não tem nenhuma candidata feminina eleita. Não tem. E assim, era preciso”, afirma. A moradora comenta ainda sobre as demandas que não são lembradas com o enfoque no público feminino, destacando como essa discrepância afeta a vida cotidiana dessa parcela da população. 

Em síntese, observa-se que em cidades como São João, candidatas e militantes tem suas carreiras, propostas e representatividade ofuscadas por uma política tradicional. É notável que a luta pela equidade de gênero na política ainda tem um longo caminho pela frente, enfrentando barreiras culturais e estruturais rígidas no Brasil. A falta de políticas públicas voltadas às mulheres é refletida diretamente na pouca presença delas nos cargos políticos, criando um ciclo desgastante nessa área.