São João del-Rei reflete a crise nacional da evasão no ensino médio com histórias que revelam desigualdade, preconceito e resistência

Por Isabela Franco, Alice Franco, Karollayne Castro, Marluany e Yuri Henrique

Imagem ilustrativa. Foto: Clarissa Barçante / ALMG

Um sonho de criança: ser jogador de futebol. Victor Melo, 20 anos, manteve seus estudos apesar de seguir na busca da carreira de atleta. Ele reforça o ambiente escolar como um fator motivador de sua permanência e defende que certas experiências só se vivencia na escola. 

Mesmo tendo uma vida agitada com treinos e jogos que batiam com os horários das aulas, o entrevistado reitera que terminar os estudos era fundamental no contrato com o clube no qual atuava. Victor, no entanto, sofreu com o sistema educacional falho e não recebeu seu diploma. Oficialmente, então, não concluiu o ensino médio de forma regular até seus 19 anos. 

Esta é uma realidade que afeta muitos jovens além do Victor. O indicador de “Jovens com ensino médio concluído até os 19 anos de idade”,  parte do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS)  4 – Educação de qualidade, mostra que São João del-Rei apresenta um desempenho insatisfatório e chama atenção para ser investigado.

Foto: Gil Leonardi/Imprensa MG

Sendo um problema recorrente em São João del-Rei e em todo o país, muitos aspectos representam a evasão escolar: jovens no mercado de trabalho muito cedo, ausência do apoio familiar no âmbito escolar e a falta de políticas públicas que conciliam educação e empregos.

Sob essa perspectiva, Franciele Santos, natural da mineira “cidade dos sinos”, não concluiu o ensino médio por questões pessoais e familiares. Mãe aos 17 anos, ela aborda que, apesar do ambiente escolar ser motivador, devido à gestação ela não se sentiu acolhida e preconceitos a afastaram dos estudos na época. Além disso, a sua realidade familiar com ausência de rede de apoio influenciou neste distanciamento dos estudos. Por fim, Franciele cita que nunca precisou da ajuda de ninguém para finalizar o ensino médio e, por vontade própria, concluiu sua escolaridade. 

Andreia Nascimento, professora do Colégio Militar, conta como é possível identificar que um estudante está em risco de evasão. “Os sinais mais comuns são o desinteresse, faltas frequentes, queda no rendimento escolar, não rendimento das atividades escolares e mudanças de comportamento, geralmente em decorrência do bullying”, explica. Ela acrescenta que questões emocionais e familiares estão diretamente ligadas a permanência dos estudantes nas escolas, sendo situações como violência doméstica, brigas e más condições financeiras agravantes na decisão da desistência. 

A antiga diretora da escola estadual Doutor Kleber, localizada no Tejuco, também aborda ações realizadas pelo governo para garantir que os jovens possam prosseguir com seus estudos, sem que os fatores socioeconômicos interfiram de forma direta nas suas decisões escolares. Apesar dos inúmeros desafios, Andreia conta que, desde a implementação do programa federal Pé-de Meia no ano passado, o número de desistências diminuiu, já que a maior porcentagem de evasão se dá pela má qualidade financeira. 

A problemática em números

Segundo dados do IBGE, mais de 470 mil estudantes abandonaram o ensino médio no Brasil em 2023. Este número acentua uma crise educacional em larga escala: aproximadamente 10 milhões de jovens, entre 15 e 29 anos, não concluíram esta etapa ou estão matriculados em uma rede de ensino. Este impasse estrutural atinge todas as regiões do país e alerta a população sobre a permanência e o acesso de jovens e adolescentes na educação básica. 

Em São João del-Rei, o cenário de evasão escolar também preocupa e mostra sinais específicos da realidade local. Dados de 2023 revelam que o ensino médio concentra os maiores índices de abandono na educação, chegando a 5,9% nas áreas urbanas e 6,2% na educação especializada, de acordo com o Governo Federal. Durante a pandemia, em 2020, o primeiro ano do ensino médio já havia registrado uma taxa de 6,4% de evasão, de acordo com a Fundação Carlos Chagas. 

Na rede municipal, o histórico recente aponta que a taxa de abandono escolar chegou a 3%, número considerado elevado para os anos iniciais do ensino fundamental, etapa onde o abandono deveria ser inexistente. Em 2022 e 2023, houve uma melhora significativa, com a taxa caindo para 0,2%, segundo o INEP. Apesar da melhora nos anos iniciais, a permanência dos jovens estudantes ainda é um desafio para os anos finais do ensino médio. 

Atualmente, no município mineiro, na Escola Estadual Ministro Gabriel Passos, 18 alunos estão em risco de abandonar os estudos em nove turmas monitoradas, com uma taxa média de frequência de apenas 60,74%. Como alternativa de engajamento, a Escola Municipal Amélia Passos, também localizada em São João, intensificou a campanha VEM, que busca resgatar o vínculo dos alunos com o ambiente escolar por meio de atividades culturais e esportivas (oficinas de dança, teatro e recreação).

A conclusão que não chega

O ODS 4 da ONU tem como principal meta assegurar uma educação inclusiva e equitativa, além de promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. Um dos principais desafios para que essa meta seja alcançada é a persistência dos altos índices de evasão escolar em grande parte do Brasil. 

São João del-Rei não conseguiu atingir a meta de jovens com ensino médio completo até os 19 anos. Segundo dados do Censo Demográfico 2010 realizado pelo IBGE, o valor médio de jovens que completaram o ensino médio na idade correta é de aproximadamente 19.11 pontos. Para atingir o limiar verde e considerar o objetivo atingido, o valor é de 70 pontos, o que indica que a cidade enfrenta grandes desafios para atingir essa meta. 

O cenário na cidade é mais precário em escolas públicas, que, muitas vezes, concentram estudantes com menos renda e que, por isso, ingressam cedo no mercado de trabalho. Para além de uma análise socioeconômica, a questão da falta de incentivo e apoio familiar também é um grande reflexo dessa situação. Dados de uma pesquisa realizada pela UNICEF Brasil em 2021, com mais de 5 mil adolescentes, mostram que 42% dos que estavam fora da escola relataram que a família não os estimulava a voltar para os estudos. Outro levantamento feito pelo IBGE revelou que 39,1% dos jovens de 14 a 29 anos fora da escola alegaram ter parado de estudar para trabalhar ou procurar emprego. É o reflexo afetivo e socioeconômico na precariedade da educação. 

A professora de Língua Portuguesa, Lídia Oliveira, de 32 anos, avalia essa questão como um reflexo das instabilidades emocionais que muitos jovens enfrentam em suas vidas pessoais. Lídia ressalta que esses jovens, de forma recorrente, não encontram apoio familiar e, além disso, entram em contato muito cedo com o campo do trabalho. “Quando um aluno se encontra em estado de vulnerabilidade emocional, dificilmente vai conseguir se manter bem na escola”, afirma a docente. 

Escola e alunos: a importância do contato

O ambiente escolar é fundamental no combate à evasão. A esperança na educação é o grande fio que conecta educadores e alunos, formando novos caminhos em meio a realidades difíceis. Os três profissionais da educação entrevistados atuam nos mais diversos cenários. Seus relatos contemplam a resistência das escolas, sobretudo as da rede pública, a uma sociedade que cada vez mais minimiza a grande importância da educação. 

Lídia começou a exercer a profissão de docente na rede pública de ensino. Ela conta que a maioria das escolas que atuou não recebe investimentos por parte do poder público, no que se refere a materiais didáticos de qualidade, infraestrutura das salas de aula e internet. A professora ressalta que, mesmo em meio a esse contexto de desvalorização, as escolas no Brasil são um exemplo de resistência, já que insistem em combater a evasão escolar por meio de programas de valorização da educação e de reinserção de alunos ao ambiente escolar. “A escola sozinha não consegue manter esses projetos, por isso a importância do amparo estatal”, destaca. 

O vice-diretor da E. E. Ministro Gabriel Passos, Marcílio Rios, destaca atitudes tomadas em caso de risco de evasão. Segundo ele, o aluno não pode ter mais de 25 faltas durante o ano letivo e não pode faltar 5 dias consecutivos sem um aviso prévio. “Quando essa situação acontece, a escola entra em contato com o responsável pelo aluno e em alguns casos, até com o Conselho Tutelar”, explica. 

O entrevistado cita ainda a questão da grande presença de estudantes da escola trabalhando em supermercados da cidade. “Muitas vezes, o aluno fica sobrecarregado pelo trabalho e acaba não tendo ânimo para vir assistir aula”, relata.

Quando perguntado sobre os programas do governo para mitigar a problemática, o vice-diretor destaca dois: o Bolsa Família e o Pé-de-Meia e avalia sua relevância como renda complementar e suporte motivador. Rios, entretanto, também ressalta a insuficiência desses recursos no combate à evasão e a diferença de ganho dos alunos, que optam pelo salário recebido em seus empregos. “A renda desses programas é para coisas básicas. O aluno continua trabalhando porque sabe que precisa de mais”, afirma.

A equipe de reportagem tentou contato com a Secretaria Municipal de Educação para compreender melhor o panorama da problemática no município e a influência dos programas sociais na educação local, porém, até o fechamento desta reportagem, não obteve resposta.