Por Ana Julia Barbosa e Maria Eduarda Cardoso

A Escola Tomé Portes del-Rei, localizada no bairro Matozinhos em São João del-Rei, oferece aos alunos do 5º ano aulas de letramento racial. Mas, afinal, do que se trata esse tipo de aula? Letramento racial é a capacidade de interpretar e entender questões relacionadas à raça, etnia e diversidade cultural por meio da leitura e escrita e, também, criar um conhecimento do contexto social, histórico e cultural relacionado a essas questões. Essas aulas são realizadas por alunos de filosofia da UFSJ, integrantes do Laboratório de Educação em Filosofia (LAFIL). 

De acordo com a profissional da educação Paola Puri, professora da rede estadual de Minas Gerais, em São João del Rei, e mulher indigena, a Lei 11.645 torna obrigatório o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio. Além disso, a professora diz que apesar de nem toda a população ter conhecimento sobre o letramento racial, a educação é ampla e este assunto possui muitas esferas. Segundo ela, precisam haver condições para os profissionais fazerem um treinamento e serem incentivados a estudar. “Hoje, a estrutura que a gente tem nos incentiva a continuar essa vivência, mas estamos longe de um diálogo eficiente”, pontua.

O projeto surgiu em 2003 quando a coordenadora do programa de extensão “A Comunidade de Investigação Filosófica no Ensino Fundamental”, a professora Maria José Netto Andrade, percebeu o interesse de seus alunos na proposta metodológica da comunidade de investigação filosófica, desenvolvida pelo filósofo e educador americano Matthew Lipman e que defendia uma educação para o pensar filosofia para crianças. Observando esse interesse, ela convidou um grupo de Belo Horizonte que palestrou sobre a temática. Ao final, seus alunos apresentaram interesse em se aprofundar no assunto e, dessa forma, a professora também procurou conhecer mais a proposta. Assim, segundo ela, surgiu a oferta de uma matéria eletiva para os graduandos: “Criei o Laboratório de Educação em Filosofia (LAFIL) no intuito de oferecer formação aos professores da escola básica e projetos e programas aos alunos do ensino fundamental. Começamos oferecendo projetos para a Brinquedoteca da universidade (UFSJ), em seguida, projetos para duas escolas públicas da cidade, baseados principalmente no uso da literatura infantil.” Em 2009, ela uniu os dois projetos em um só, chamado “A comunidade de investigação filosófica no ensino fundamental”, que até hoje é atuante nas escolas do município.

Em 2024, o programa está sendo realizado na Escola Tomé Portes del-Rei, nas salas do 5ª ano. A professora Maria José nos conta que a intenção dessas aulas é proporcionar uma educação mais reflexiva e crítica desde a infância, por meio da prática de um diálogo investigativo e, desse modo, criar uma capacidade de problematização, argumentação e conceituação, levando em conta o desenvolvimento cognitivo e dialógico.

Alunos do projeto em sala da Escola Tomé Portes del-Rei.
Crianças na primeira aula de filosofia do ano. Foto: Ana Julia Barbosa

Para que essas questões sejam trabalhadas, os graduandos de filosofia pensam em atividades que abordem os temas de maneira lúdica e de fácil entendimento. A voluntária Ana Letícia Gomes e Silva nos relata que,  primeiramente, eles conversam com a escola para entender quais assuntos precisam ser trabalhados em sala. Depois desse primeiro contato, buscam identificar em sala quais demandas essas crianças exigem e, a partir daí, procuram materiais para auxiliar no ensino dos temas definidos. Hoje, com duas salas compostas por crianças de aproximadamente 12 anos, ela conta que observaram certa necessidade de desenvolver questões de autoestima: “Conversando com as professoras, a gente consegue observar uma necessidade muito grande de trabalhar a autoestima das crianças, principalmente num cenário pós-pandêmico em que elas estavam bastante afetadas”. Todas as atividades são feitas através de jogos, histórias, desenhos, vídeos e meios que facilitem o entendimento e a adequação a esse público.

A importância do letramento racial é indiscutível e trabalhar essas questões como sociedade é imprescindível para que nós tenhamos um melhor conhecimento e postura com certos temas ditos tabus. Dessa maneira, a coordenadora reafirma a relevância dessas aulas: “Considero muito importante tratar reflexivamente desse assunto com as  crianças, pois elas  são muito mais receptivas e podem pensar melhor sobre os preconceitos disseminados na sociedade”. No mais, ela também ressalta que a temática deve ser discutida por todos, independentemente do nível de escolaridade e faixa etária. 

Vale ressaltar que esse aprendizado não se restringe apenas às crianças, mas também se estende aos graduandos que, na posição de professores, aprendem a rotina e a vivência da educação básica com seus desafios e felicidades ali vividos. A universitária Ana Letícia relata como esse programa agrega na sua formação: “ Pra mim é na sala de aula, com as crianças, que eu vou entender a filosofia mesmo, sabe? (…) O Laboratório de Educação em Filosofia e as crianças da escola que trouxeram os maiores aprendizados pra mim. Eu sou completamente apaixonada por esse trabalho, eu acho que é perceptível”. 

Primeira Atividade do Ano de 2024 – Crachás 

A primeira atividade do ano foi a criação de um crachá, onde as crianças poderiam se identificar como quisessem. Ana Letícia falou um pouco sobre essa atividade: “Eu acho que o crachá dá a oportunidade de eles se apresentarem não só a partir dos seus nomes, mas mostrando um pouquinho também do que eles são. Sua personalidade e características, seus interesses”.  A dinâmica foi pensada para além da primeira aula, já que eles podem usar o item no resto do ano e, assim, ainda facilitar sua identificação. Ana complementa que, além disso, as crianças gostaram tanto do crachá, que o utilizaram no intervalo e mostraram para os demais alunos da escola.

Foto ilustrativa do material distribuído em sala para a atividade do crachá.
Crachá e material oferecido na primeira atividade. Foto: Ana Julia Barbosa

O programa é visivelmente importante não só para a vida desses jovens, mas para o progresso da comunidade local, afetada diretamente de maneira positiva. A professora Maria José enfatiza que o programa de extensão completa 21 anos de existência em 2024: “Já atuamos em várias escolas da cidade e, no momento, estamos na (escola) Tomé Portes del-Rei. As escolas sempre foram bem receptivas ao nosso trabalho, o que tem justificado a continuidade do programa nesses anos todos”, destaca.