Pedrinho vagava sozinho ali pelas bandas da ponte da cadeia, zanzando para um lado e para o outro. Essa época o deixa fascinado: são luzes, sons, enfeites, cheiros que só têm no fim do ano. Mas o menino não pode compartilhar de todos os sonhos típicos de sua idade. Está na rua tentando conseguir uns trocados para ajudar em casa, tentando engordar a pobre ceia de todos os anos.

Na loja mais iluminada, um pequeno sonho reluz na vitrine. Aquela bicicleta “irada”, igual da propaganda da TV, pneus largos e guidão cromado! Ele se imagina nos pedais, rodando pelo centro histórico, descendo as ladeiras (haja freio!), tocando a pequena sineta e chamando atenção de todo mundo. Mas logo um grito vem de dentro da loja: “sai moleque esfarrapado! Parece um mendigo, vai espantar os fregueses!” bradou um vendedor, espantando o pobre menino que já estava com a cara colada na vitrine.

Chateado ele atravessa a rua, e fica do outro lado, sem graça e meio perdido… De repente, outro grito: “vem logo Pedrinho, escolher seu presente de Natal!” Sua esperança não dura nem um segundo. Ele vê um garoto com roupas novinhas, um tênis branquinho e uma camiseta de marinheiro indo ao encontro daquela voz. Eles entram na loja com a fachada iluminada. Sorrateiro, ele volta ao cantinho da vitrine, tentando não ser notado. Queria muito descobrir o que seu “xará” ia pedir de presente.

Logo vê o menino apontando para a mesma bicicleta que ele tanto queria. “Claro, não poderia ser outra coisa” pensou o garoto. Mas percebe algo estranho: o sujeito que prometeu o presente faz sinal de negativo com as mãos e fecha a cara. E seus dedos balançando negativamente de um lado para outro ficam mais intensos assim como o balançar de sua cabeça. O Pedrinho, seu xará, que está dentro da loja, começa a choramingar.

O pai pega o garoto pelo braço e o puxa para fora. “Quero muito aquela bicicleta, todo mundo tem uma!” diz o pequeno marinheiro. Já o senhor, num ataque de fúria, simplesmente responde: “não! Onde você vai andar com isso? Com esse monte de vagabundos se você sai de casa vai ser logo roubado. Ainda mais um moleque bobo que nem você! Escolhe uma coisa que dê pra brincar dentro casa…” E sai puxando o filho pelas calçadas do centro.

Nosso Pedrinho volta a pedir. Sempre fala para todos, “uma ajudinha para a ceia, somos pobres”… Essa é a época em que ganha mais esmolas, mas não entende muito bem o porquê. De repente surge perante ele o pequeno marinheiro e seu pai emburrado. Estica a mão em sua direção e repete o pedido. O senhor pega uns trocados no bolso e entrega, sem ao menos olhar seus olhos. E segue em frente arrastando o garoto ainda choroso.

Ao ver seu “xará” se distanciando ele pensa que as coisas são mesmo estranhas neste mundo. Se sente um pouco mais livre que o outro garoto, pode ir onde quiser, mesmo precisando ajudar em casa… Mas, afinal, nenhum dos dois terá a sonhada bicicleta. Vai então até o Papai Noel que fica no Largo da Igreja, contar o que viu. O velhinho o recebe com um sorriso e um longo abraço. “Papai Noel, como eu faço pra ganhar o que eu quero?” indagou ao “bom velhinho”. “Você tem que ser um bom menino” responde prontamente o senhor de barbas brancas, com um largo sorriso.

“E o que é ser um bom menino? Eu ajudo em casa, peço ajuda na rua, vou na escola…”. O velho senhor, que fazia apenas um bico no Natal para ganhar uns trocados, percebeu a situação. Era pobre também, e o foi durante a infância. Ele pega o garoto no colo e fala bem baixinho: “papai Noel não existe! Não para quem é pobre como nós… Não deixe de sonhar, não deixe de ajudar a quem precisa, pois sorrisos e abraços são melhores presentes que qualquer bicicleta. Talvez você tenha mais do que imagina”.

Pedrinho se sentiu bem com estas palavras. Afinal ele não tinha a bicicleta, mas podia brincar na rua, e ser pobre não era pecado. Ao lado do Papai Noel, havia um presépio. Percebeu que o menino Jesus era pobre também, nasceu entre os animais e enrolado em farrapos. “Mesmo assim ele mudou o mundo, mesmo sendo pobre” disse o velho.

Pedrinho encheu seu coração de alegria. Não tinha uma bicicleta para andar, mas tinha um mundo pra mudar. “Isso é espírito natalino, Papai Noel?” perguntou. O senhor de longas barbas brancas sorriu como há muito não sorria. “Sim” disse ao garoto, que nem ao menos esperou mais alguma palavra. Saiu pela cidade correndo e gritando “eu posso mudar o mundo! Eu posso mudar o mundo! Feliz Natal para todos!!!”

Texto/VAN: Rafael Nascimento
Arte/VAN: Thauana Gomes/pngart

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