Violência policial é resquício histórico do autoritarismo brasileiro e reproduz sistemas de opressão seletivos no país

Por Lídia Oliveira

Operação na Ladeira dos Tabajaras e exposição infantil à violência. Foto: Márcia Foletto/Agência O Globo

Virgínia Fonseca, Roberto Jefferson, MC Poze, Oruam. Envolvidos com a justiça brasileira, o que todos esses nomes públicos suscitam? Fora a popularidade e o alcance midiático dessas figuras, um ponto crucial os diferencia: a cor da pele. Inegavelmente, esse tem sido o fator determinante para o tratamento realizado pelas autoridades de segurança em suas abordagens cotidianas. MC Poze foi preso no dia 29 de maio de 2025, em sua casa, sob denúncia de apologia ao tráfico. O cantor foi detido descalço e sem camisa, na presença dos filhos e da família, levado e segurado pelo pescoço, como se fazia no período da escravidão, como objeto. Enquanto isso, na mesma semana, Virgínia Fonseca, envolvida na CPI das Bets por divulgar jogos na internet, foi ouvida durante uma encenação que se desenrolou com diferentes atores, criando uma narrativa de inocência e de fragilidade. A influenciadora, branca, loira e de classe alta, conta com mais de 50 milhões de seguidores nas redes sociais e foi bajulada e defendida por representantes políticos e por seus fãs. Essa desproporcionalidade escancara o cenário denunciado pela filósofa Djamila Ribeiro, quando ela aponta que, “na maior parte das vezes, o Judiciário é uma extensão da viatura policial: não se exige uma investigação detalhada nem se admite o contraditório para quem é acusado pela seletividade do sistema.”

Em 1994, Marcelo Yuka dizia que “Todo camburão tem um pouco de navio negreiro”, ao criticar a persistência da violência que constrange, agride e assassina pessoas negras no Brasil. No entanto, embora distante temporalmente, a canção ainda sobrevive na realidade atual, por meio da imposta e sistemática violação dos direitos humanos pelas forças do Estado, concretizadas na figura policial, tantas vezes parte da massa populacional negra e periférica, que deveria servir e proteger. A polícia militar, especialmente, munida do material essencial de trabalho – armas, uniforme, racismo institucionalizado – tem reproduzido e reforçado um padrão de comportamento naturalizado, reiterado por representações políticas da extrema direita e internalizado pela massa social que repete a máxima: “bandido bom é bandido morto” -, mas somente quando este é negro, pobre e periférico. Esse imaginário do jovem negro como persona suspeita, agressiva e perigosa foi construído durante anos da nossa história político-social e parece não ter sido ainda disassociado do olhar coletivo. 

Segundo dados da Anistia Internacional, a cada 23 minutos, um jovem negro é morto no Brasil. Em abril de 2019, Evaldo dos Santos foi brutalmente assassinado por agentes do Exército no Rio de Janeiro. Inúmeros nomes poderiam ser citados aqui, em respeito às memórias, às famílias e à vida desses sujeitos: Douglas Martins Rodrigues, Claudia Silva Ferreira, Eduardo de Jesus Ferreira, Roberto de Souza Penha, Carlos Eduardo Silva de Souza, Cleiton Corrêa de Souza. Nomes esquecidos pelo Estado, vidas interrompidas pela força opressora do racismo. A questão que salta aos olhos é o fato de que o Brasil assiste a todos esses casos passivamente, partindo do pressuposto de que esses jovens provavelmente mereceram o final que tiveram. O professor e sociólogo Thiago Torres, conhecido popularmente como Chavoso da USP, criou a página “Pelo fim da PM” nas redes sociais, no intuito de denunciar os abusos cometidos pelas forças de segurança no Brasil. Para ele, que é jovem, negro e periférico, essa realidade está sustentada na suposta guerra 

às drogas, que se tornou uma guerra contra a população negra. Não se verifica, entretanto, na concreta realidade das coisas, guerra às drogas nos condomínios ou em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB). Não choca o corpo sangrando de um jovem negro no camburão da PM. Não importam as vidas negras em um país que acorrenta seus jovens à exaustão e à desigualdade. Violência policial é resquício histórico do autoritarismo brasileiro e reproduz sistemas de opressão seletivos no país. Somente haverá possibilidades de existência segura à negritude quando forem rompidas as alianças racistas que atravessam os olhares e a atuação da polícia no Brasil.