Crônica – A Cabeça do Santo: O realismo mágico de Socorro Acioli
Por Isabela Barbosa
“Era tudo tão lindo que nem coube nos seus pequenos sonhos. Ela precisou aprender a sonhar mais”

A Cabeça do Santo é um romance brasileiro nascido sob o signo do encantamento. Escrita por Socorro Acioli e desenvolvida em uma oficina com Gabriel García Márquez, a obra bebe do realismo mágico latino-americano com cenário nordestino. A autora se inspira em uma estátua decapitada na cidade de Caridade, no Ceará, para criar uma narrativa fantástica e humana.
A história começa com Samuel, um jovem que, após a morte da mãe Mariinha, parte para a cidade de Candeia para cumprir o último desejo dela: encontrar o pai e a avó que ele nunca conheceu.
“Partiu para Candeia. Não por obediência, mas porque não houve tempo de dizer que não iria. Mariinha morreu acreditando”
Em Candeia, Samuel não encontra acolhimento, mas Santo Antônio muda sua trajetória. Ele acaba se abrigando dentro da cabeça de uma estátua inacabada do santo casamenteiro. A escultura era tida como causa da desgraça da cidade, mas algo novo acontece: de dentro da cabeça, Samuel passa a ouvir as preces das mulheres que pedem ao santo por amor. O que era a maldição da cidade vira uma grande oportunidade para Samuel, que agarra as possibilidades e acaba movimentando – talvez até demais – Candeia.
A escuta das preces transforma Samuel não apenas em um canal entre o humano e o divino, mas também em alguém que precisa lidar com o peso da intimidade alheia. Ouvir pedidos de amor, solidão, desespero e desejo o coloca em uma posição delicada: ao mesmo tempo em que é espectador, torna-se também agente das mudanças que atravessam Candeia. Socorro Acioli usa esse ponto de virada para explorar temas como fé, pertencimento e o poder das palavras não ditas.
Alguns outros mistérios e enredos relacionados às vozes ouvidas tomam conta da narrativa, o que prende o leitor de forma intensa. O realismo mágico, marca registrada da obra, aparece com leveza e naturalidade, sem precisar de grandes explicações – é como se o extraordinário simplesmente fizesse parte da paisagem. Acioli constrói essa atmosfera com uma linguagem lírica, por vezes oral, que ecoa as histórias contadas ao pé do ouvido.
Durante a história, Socorro indica que nem toda saudade é ruim. A cabeça do santo sem dúvida é uma obra que deixa saudade.