Por Oswaldo C. Almeida

Andar por São João del-Rei à noite, especialmente pelo centro histórico, é uma experiência que oscila entre o fantástico e o aterrorizante, como se Stephen King tivesse sido contratado para escrever uma novela da Globo.

A cidade mergulha em silêncio. O único som que você ouve é o do vento gelado do inverno soprando pelas frestas das casas antigas, todas em um caprichado estilo colonial português. As lamparinas, que um dia já brilharam à base de óleo de baleia e querosene, ainda resistem através da eletricidade, banhando as ruas com um tom amarelado e fantasmal.

Esse cenário só é possível porque São João del-Rei ainda preserva características dos seus primórdios, tombadas como patrimônio histórico. Tudo começou entre 1704 e 1705, quando foram descobertos depósitos de ouro nas encostas do Alto das Mercês. Isso atraiu gente de todo lado e fez nascer o Arraial de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes, ou, para os íntimos da época, Arraial Novo, em contraposição ao Arraial Velho de Santo Antônio. Em 1713, o lugar foi elevado à condição de vila e rebatizado como São João del-Rei, uma homenagem do governador Braz Baltazar da Silveira ao rei Dom João V.

Agora, se você estiver subindo a Rua Santo Antônio em direção à Igreja do Carmo, saiba que está trilhando o primeiro trajeto histórico da cidade. Oficialmente, as primeiras estradas documentadas estão no Bonfim, mas antes disso já havia um caminho antigo por onde seguiam as bandeiras dos sertanistas, rumo ao Sertão dos Cataguases. Dizem que esse era o tal “caminho geral do sertão”, aberto lá em 1674 por Fernão Dias Pais que, claro, seguia trilhas indígenas.

É nessa mesma rua que ficam as famosas Casas Tortas. Os mais céticos dizem que elas foram construídas tortas propositalmente, para aproveitar melhor a luz solar. Já outros acreditam que a inclinação é culpa da infiltração de água da chuva, que teria descalçado os pilares e feito as casas se inclinarem.

E se você estiver com o olho atento, vai notar que ali também fica a casa número 33, palco de uma história que já virou lenda.

Conta-se que um padre recém-chegado foi chamado numa noite fria por uma senhora vestida de preto. Ela pediu que ele fosse dar a extrema-unção ao seu filho, que estava gravemente enfermo. O padre atendeu ao pedido e cumpriu seu papel. No dia seguinte, ao saber da morte do rapaz, resolveu voltar à casa para consolar a mãe. Só que, ao chegar lá, encontrou apenas um retrato dela na parede. Indagou os vizinhos, e a resposta foi um soco no estômago: a mulher havia falecido havia três meses.

Essa é só uma das muitas histórias que São João guarda. Algumas fazem parte da coletânea Contam que…, de Lincoln de Souza, que pode ser lida na biblioteca municipal e, segundo rumores, será republicada pela prefeitura. O livro reúne 11 contos colhidos da tradição oral, indo desde a Mula Sem Cabeça até um Defunto que o Diabo.

Outros autores registraram lendas são-jaonenses, como o Antonio Gaio Sobrinho, com o relato da Jovem Desconhecida, onde uma mulher foi encontrada falecida junto a uma caixa d’água no espaço que hoje é o Bahamas. De acordo com o texto do autor, nunca foi reclamada, e seu nome ainda é desconhecida. 

Lendas nascem a partir da necessidade de explicar o mundo, nascem narrativas que envolvem o fantástico e o sobrenatural. São uma forma da cultura imaterial, que falam tanto sobre da sociedade e da época que foram registrados. Por isso, é tão importante ter registros, e, acima de tudo, continuar tendo o costume de contar essas historias, como o projeto Lendas São Joanenses, que acontece mensalmente no Largo do Rosário. A última edição foi no dia 18 de julho, e a próxima vai acontecer dia 22 de agosto.

Assim, encerro essa cronica com um aviso: sempre ande com olhos atentos, pois uma noite, você pode acabar visitando ou sendo visitado por uma lenda no centro histórico.