Por Ana Cláudia Almeida e Vitor Ramiro

Lélia Gonzalez ampliou os horizontes da discussão racial no Brasil, inovando na abordagem da condição social da população negra e periférica no país. Entre suas proposições teóricas, a descolonização do conhecimento visa denunciar a inferiorização da cultura negra por parte das ideologias eurocêntricas dominantes. Nesse sentido, conceitos estabelecidos pela pesquisadora, como os de “Consciência” e “Memória”, surgem como uma provocação e convite à reflexão acerca da realidade que nos cerca. 

Segundo seu livro “Racismo e sexismo na cultura brasileira”, Consciência está vinculada à alienação, encobrimento e ao esquecimento, enquanto Memória se alinha ao conhecimento da verdade e à lembrança. Nesse viés, um ensaio fotográfico realizado propicia uma sequência lógica de registros, para exibição da difusão da fé e dos ideais católicos entre o povo negro e periférico são-joanense, nos séculos passados. Dado que, historicamente, religiões de matrizes africanas imperavam na rotina deste grupo social, não apenas a tentativa contínua da Igreja Católica de fidelizar é merecedora de destaque, como também suas estratégias ideológicas e de localização.

Igreja de Nossa Senhora do Rosário

A construção, em 1719, da primeira igreja de São João del-Rei, remete uma forma de aproximação com seu público-alvo. Sendo considerada a “igreja dos negros” durante séculos, sua localização no Centro, antigo polo da mineração e centro industrial da cidade, facilitava uma alta frequência deste grupo nas atividades religiosas. No mais, seu tamanho e simplicidade arquitetônica também estão atrelados aos seus frequentadores.

Em breve comparação, nota-se que esta igreja não apresenta o mesmo luxo verificado nas demais, mais famosas e bem visitadas. Mesclando o estilo barroco com um rococó tardio, sua fachada e seu interior simples preservam a decoração da época. Entre tronos, ornamentos de portas, móveis de madeira, dois fatos acentuam o embranquecimento e o racismo velado típico do catolicismo: a escultura de Nhá Chica, beata negra brasileira, posicionada atrás da porta de acesso à capela; e apenas duas imagens sagradas expostas são de santos pretos. No caso, São Benedito e Santo Antônio de Categeró podem ser observados em um altar colateral, atrás da escultura de São Miguel Arcanjo (um santo branco).

Paróquia de São José Operário

O bairro são-joanense Tijuco, com o fim da mineração e a transformação da cidade em um polo comercial, virou o lar da classe trabalhadora e um local de resistência e vivência negra. Com frequentes tentativas de embranquecimento populacional através da chegada de imigrantes italianos à São João, bairros como ele, Senhor dos Montes e Bela Vista, permaneceram como território negro, onde ex-escravizados e seus descendentes continuaram sua trajetória, sob condições socioeconômicas precárias e uma árdua rotina de trabalho.

No que concerne à religião católica, a inauguração da Capela de São José Operário no Tijuco, em 1938, buscou disseminar os ideais cristãos em um local de maior popularidade e tendência de crescimento das religiões de matriz africana. Inicialmente dedicada a Nossa Senhora da Conceição, em 1943, após decisão de Dom Helvécio (então bispo diocesano), a paróquia passou a cultuar São José Operário, padroeiro dos trabalhadores. Reforçando princípios bem defendidos no Luteranismo, símbolos e frases são observados na fachada e no interior da capela. Reiterando a ideia de que o trabalho dignifica o homem e o aproxima de Deus, esses elementos alinham-se à doutrina de São José Operário e à moral católica que buscava moldar a identidade e o foco da população negra local.

Segundo documentos históricos, a construção da paróquia surgiu sob o argumento da comunidade ter muitas crianças consideradas “necessitadas da luz do Evangelho”. No convite oficial para a inauguração da pedra fundamental, o bairro foi descrito como um “refúgio da pobreza”, evidenciando a visão e tentativa da Igreja de associar assistência social à catequização.

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