25 de julho: Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha
Nesta data de celebração e resistência, amplie seu repertório e conheça dez obras de ilustres escritoras negras e indígenas
Por Lídia Oliveira
Em 1992, um grupo de pessoas decidiu se organizar para enfrentar as violências sofridas pelas mulheres negras ao redor do mundo, que incluem pobreza, agressão sexual e desigualdade. Elas organizaram o primeiro Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas em Santo Domingo, na República Dominicana. No evento, discutiram sobre os diferentes problemas que afetam as mulheres e quais alternativas poderiam resolvê-los. A partir desse movimento, nasceu a Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-Caribenhas. A Rede, com a Organização das Nações Unidas (ONU), lutou para o reconhecimento do dia 25 de julho como o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha.
No Brasil, em 2 de junho de 2014, foi instituído, por meio da Lei nº 12.987, o dia 25 de julho como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. A data é uma homenagem a uma das principais mulheres negras brasileiras, símbolo de resistência e liderança na luta contra a escravização no território nacional. Líder quilombola, Tereza comandou o quilombo do Quariterê por duas décadas e lutou para que negros e indígenas tivessem um lugar de proteção durante o período de colonização escravista.

São figuras como a de Tereza que marcam a participação feminina negra na busca por um mundo mais justo e digno. Em um país no qual 55,5% da população se declara parda ou negra e em que 49,1% de mulheres são chefes de família, de acordo com o censo do IBGE de 2022, conhecer referências negras femininas é fundamental para lermos nossa própria história pelas mãos daquelas que foram – e ainda são – historicamente silenciadas.
A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, em sua obra O perigo de uma história única, reforça a importância de questionar estereótipos sobre povos, culturas e crenças, pois eles limitam o pensamento humano. A história única, segundo a autora, rouba a dignidade das pessoas e suas possibilidades de falarem por si mesmas. Diante disso, neste importante dia, confira uma lista de dez livros, escritos por mulheres negras e indígenas, que têm contribuído para o pensamento intelectual, histórico, político e literário do ontem, do hoje e do amanhã.
1. Bárbara Carine


Bárbara é professora doutora, que se autointitula “intelectual diferentona” nas redes sociais, ao compartilhar conteúdos sobre educação, letramento racial e epistemologias africanas e afro-brasileiras. É fundadora da Escola Maria Felipa, em Salvador, a primeira escola afro-brasileira do país. A indicação da obra E eu, não sou uma intelectual?, lançada em 2025, deve-se ao fato de a escritora pensar a intelectualidade para além dos marcadores ocidentais da academia e de o livro servir como uma espécie de guia para as experiências e as sobrevivências acadêmicas. Segundo a autora, “a intelectualidade perpassa pela superação da alienação da especialidade em si, reintegrando esse específico à sua totalidade social percebendo como ela impacta e é impactada pela sociedade.”
2. Carolina Maria de Jesus


Carolina foi uma mulher escritora, moradora da favela do Canindé, que sonhava sobre o mundo e o escrevia de forma poética e política. Em sua obra Quarto de despejo, lançada em 1960, ela narra seu cotidiano, sua vida como catadora de papelão e suas perspectivas sobre o Brasil. Seu diário é marcado por passagens que escancaram o racismo estrutural brasileiro e, ao mesmo tempo, a força de mulheres negras que criam os filhos sozinhas nesse contexto. Carolina afirma “quando eu vou na cidade tenho a impressão que estou no paraizo. Acho sublime ver aquelas mulheres e crianças tão bem vestidas. Tão diferentes da favela. As casas com seus vasos de flores e cores variadas. Aquelas paisagens há de encantar os olhos dos visitantes de São Paulo, que ignoram que a cidade mais afamada da America do Sul está enferma. Com as suas ulceras. As favelas.”
3. Cida Bento


Maria Aparecida da Silva Bento, conhecida como Cida Bento, é doutora em psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP) e cofundadora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT). Importante nome quando se pensa a intelectualidade negra brasileira, lançou O pacto da branquitude em 2022, livro pelo qual a autora denuncia como a branquitude opera de forma sistemática para que pessoas não brancas sejam excluídas das mais diversas oportunidades. Conforme pontua Cida Bento, “fala-se muito na herança da escravidão e nos seus impactos negativos para as populações negras, mas quase nunca se fala na herança escravocrata e nos seus impactos positivos para as pessoas brancas.”
4. Conceição Evaristo


Maria da Conceição Evaristo de Brito é escritora e linguista, com extensa produção literária que abarca a temática da ancestralidade negra brasileira. Lançou a obra Canção para ninar menino grande em 2018, novela que narra as construções da masculinidade negra em sua relação com as mulheres. Suas personagens são construídas de forma sensível, mostrando as diferentes vivências das mulheres negras, seus percalços, seus amores e suas dores. “A escrita é minha forma de não morrer”, afirma Conceição, mostrando que o registro literário ultrapassa o tempo e a história e mantém viva a memória dos que foram e são silenciados.
5. Djamila Ribeiro


Djamila Ribeiro é filósofa, colunista da Folha de São Paulo e coordenadora da coleção Feminismos Plurais. Tem diversos livros publicados, nos quais discute conceitos importantes para serem pensadas as questões sociopolíticas brasileiras relacionadas ao racismo e aos feminismos. Em seu livro Pequeno manual antirracista, publicado em 2019, a autora discorre acerca dos mecanismos sistemáticos que naturalizaram o racismo no Brasil e das formas de combatê-lo diariamente, em ações práticas. A obra, que se apresenta como um manual, orienta a todos que querem ser efetivamente antirracistas em uma sociedade estruturalmente racista. Conforme afirma Djamila, “devemos aprender com a história do feminismo negro, que nos ensina a importância de nomear as opressões, já que não podemos combater o que não tem nome. Dessa forma, reconhecer o racismo é a melhor forma de combatê-lo.”
6. Eliane Potiguara


Eliane Lima dos Santos, conhecida por Eliane Potiguara, é professora, escritora e ativista indígena brasileira. Fundadora da Rede Grumin de Mulheres Indígenas e reconhecida internacionalmente por sua luta pelos povos originários. Sua obra O pássaro encantado, lançada em 2014, aborda o universo infantil, carregado de imaginação e de sonhos, e mostra a importância da ancestralidade pela figura da avó, que guarda histórias e ensinamentos essenciais para a manutenção das tradições indígenas no Brasil. De acordo com Eliane, “a mulher que ouve a sua intuição, que percebe os seu sonhos, que ouve a voz interior das velhas e das mulheres guerreiras de sua ancestralidade e que possui o olhar suspeito dos desconfiados, essa sim, é uma ameaça ao predador natural da história e da cultura.”
7. Ellen Lima Wassu


Ellen Lima, conforme se descreve no site da editora Urutau, “é pirá, poeta, bicho, rio, árvore, vento, mata atlântica, água, raiz, espírito e semente. Ela também é gente humana, poeta, professora, investigadora que atualmente faz doutorado em Portugal.” Escritora indígena, ela publicou seu livro de poemas Yby kuatiara um livro de terra em 2023, no qual perpassa por temáticas ligadas à ancestralidade e aos saberes indígenas contra-coloniais. Em um de seus poemas, lê-se:

8. Jarid Arraes


Jarid Arraes é escritora, cordelista e poeta. Fundadora do Clube da Escrita Para Mulheres, em São Paulo, sua atuação é voltada para o cordel e para o resgate de figuras negras femininas da história do Brasil. Em 2017, lançou o livro Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis, pelo qual conta a história de Antonieta de Barros, Aqualtune, Carolina Maria de Jesus, Dandara dos Palmares, Esperança Garcia, Eva Maria do Bonsucesso, Laudelina de Campos Melo, Luísa Mahin, Maria Felipa, Maria Firmina dos Reis, Mariana Crioula, Na Agontimé, Tereza de Benguela, Tia Ciata e Zacimba Gaba. Como afirma Jarid, seus cordéis “têm cumprido um papel importantíssimo na vida de crianças, adolescentes e adultos: o papel de contar histórias que tentaram apagar, mas que sobrevivem, nos representam e inspiram.”
9. Lélia Gonzalez


Lélia Gonzalez é um dos nomes mais conhecidos quando se trata de referências feministas negras na luta antirracista e no pensamento intelectual da América Latina. Filósofa, antropóloga, professora, escritora, militante do movimento negro e feminista precursora, ela escreveu o livro Festas Populares no Brasil em 1987 e teve vários de seus textos reunidos em diferentes obras, incluindo Por um feminisno afro-latino-americano, em 2020. Na obra, são apresentados textos produzidos por Lélia durante o período de 1979 a 1994, o qual marca os anseios democráticos do Brasil e de outros países da América Latina e do Caribe. Conforme apontado por Lélia, “”A mulher negra é o grande foco das desigualdades sociais e sexuais existentes na sociedade brasileira. É nela que se concentram esses dois tipos de desigualdade, sem contar com a desigualdade de classes. O que percebemos é que, na nossa sociedade, as classificações sociais, raciais e sexuais fazem da mulher negra um objeto dos mais sérios estereótipos.”
10. Sueli Carneiro


Sueli Carneiro é uma filósofa, escritora e ativista antirracista do movimento social negro brasileiro. Foi a primeira mulher negra a receber o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade de Brasília (UnB), em 2022. É uma das fundadoras do Geledés – Instituto da Mulher Negra, em 30 de abril de 1988. Sua trajetória é perpassada por uma extensa contribuição ao pensamento intelectual brasileiro, considerando as desigualdades sociais e raciais que determinam exclusões no país. Sua obra Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil, lançada em 2011, reúne alguns de seus textos escritos entre 1999 e 2010, explicitando reflexões a respeito das formas de atuação do racismo e do sexismo estruturantes das relações sociopolíticas nacionais. De acordo com a autora, “as mulheres negras assistiram, em diferentes momentos de sua militância, à temática específica da mulher negra ser secundarizada na suposta universalidade de gênero. Essa temática da mulher negra invariavelmente era tratada como subitem da questão geral da mulher, mesmo em um país em que as afrodescendentes compõem aproximadamente metade da população feminina.”
Esta lista não compreende a totalidade da diversidade de vozes femininas negras e indígenas do Brasil, sendo apenas um ponto de partida para que mais mulheres sejam lidas, reconhecidas e valorizadas. Suas criações intelectuais, poéticas e políticas devem ser visibilizadas, não só hoje, mas em todos os espaços de diálogo da sociedade. Só assim, conseguiremos abrir caminhos para superar anos de silenciamento e de violência.