Mobilidade nas calçadas de São João del-Rei é prejudicada por dificuldade do município em lidar com o lixo

 

As vias públicas de cidades muito antigas costumam ser pequenas. E com o crescimento populacional, as calçadas parecem ainda menores. No caso de São João del-Rei, a situação se agrava no fim da tarde, quando o lixo descartado pelo comércio acaba por dificultar a passagem dos moradores. Como cidade turística, a imagem do município também é prejudicada. Os visitantes são obrigados a registrar, nas fotografias do passeio, o acúmulo de papelões e outros resíduos sólidos descartados pelas lojas do centro, bem perto dos pontos históricos.

Apesar do caminhão da prefeitura passar duas vezes ao dia nessa parte da cidade, exceto aos domingos, a coleta ainda é ineficiente. O zelador de um edifício residencial do centro, Raimundo Inácio de Souza, 52 anos, diz que tenta contribuir arrumando o lixo que moradores de rua e cachorros abrem e remexem. No entanto, admite que não os armazena nos latões indicados pela Prefeitura, numa distância maior da que ele costuma colocar, porque o volume descartado dos apartamentos é grande. “Enfeia a cidade esse lixo aqui, mas o que posso fazer se é aqui que todo mundo deixa?”, questiona.

A instrução da Prefeitura é que se coloque o lixo daquela parte do centro da cidade no Largo Tamandaré, onde há alguns latões. Mas, comerciantes como Silvia Machado de Moraes,  39 anos, não parecem concordar com a solução. Para ela, isso acarreta uma bagunça e, na falta de uma lixeira maior e mais próxima a seu estabelecimento, não vê alternativa senão armazenar seu lixo na calçada. “Coloco na via todo final de tarde mesmo, pois não vejo alternativa. A Prefeitura não me dá alternativa. Se eu colocar um latão ou uma lixeira grande aqui, o patrimônio é capaz de me multar e encher o meu saco”, afirma.

A Associação dos Catadores de Material Reciclável (Ascas) recolhe os resíduos sólidos recicláveis. A presidente da entidade, Cristina Raimundo Cardoso, estima que são retiradas das ruas de São João del-Rei pelos catadores uma média de 20 toneladas de lixo. No entanto, a coleta é feita diariamente apenas no bairro Matosinhos. Ela explica que o problema é transporte e, já que a sede funciona ali, eles ficam restritos ao comércio e residências daquele local. Todo dia, os associados levam o material para a Ascas, onde é feita a triagem, a compactação e o encaminhamento para compradores de Prados e Belo Horizonte.

Além dos 13 associados, existem outros catadores espalhados pela cidade que não fazem parte da Ascas. É o caso de Edjalma de Jesus,  53 anos, que há três trabalha recolhendo lixo nas ruas. Segundo ele, coleta cerca de quatro toneladas de papelão e uns 500 quilos de plástico por mês. “Tem comerciante que já separa todo o material pra mim. Eles levam no meu carrinho, que fica parado na avenida Tiradentes, porque não posso andar em outras ruas com ele, pois atrapalha o trânsito”, afirma. O catador, que trocou o trabalho na zona rural para viver de recolher lixo, diz que algumas lojas têm depósito próprio e fidelizaram seu serviço. E que, além destes, ainda coleta outros resíduos que são depositados nas ruas.

__ Edjalma com suas caixas
Edjalma com suas caixas. – Foto/Dobras e Sobras: Sinara Piassi

Mas Edjalma aponta outro problema, que é uma certa concorrência e desunião entre os catadores. “O aumento dos catadores na cidade está me atrapalhando um pouco. Antigamente, eu catava mais, hoje em dia tenho que dividir”, reclama. Ele afirma ainda que não participa da Ascas por ver muita confusão e briga. Como solução, manda sua coleta para Prados (a cerca de 28 km) para ser prensada lá. “Deus me livre de trabalhar com a Associação aqui. Prefiro ganhar menos e trabalhar sozinho”, ressalta.

De fato, a presidente da Associação, Cristina Cardoso, confirma que muitos catadores não gostam de dividir seus lucros. Mas que há ainda outro problema, o da distância da sede da Ascas do centro, o que dificulta o transporte do lixo coletado.

Diante do problema, o comerciante Guilherme Carazza, 24 anos, acredita que a única solução possível é mesmo fidelizar catadores de lixo. “Todos os dias, chegam de três a quatro caixas. Peço que uma funcionária desmonte todas elas e guarde em nosso depósito, até o catador vir buscar. Ou nós mesmos levamos até o carrinho dele”, descreve.

Carazza explica que teve que tomar essa atitude porque, segundo ele, não existe uma política pública para o lixo gerado pelo comércio. E ainda reclama do problema da falta de treinamento por parte dos coletores da Prefeitura e da escassez de garis. “Eles [os coletores] são muito baderneiros, já quase causaram transtornos aqui na porta. Eu raramente vejo alguém varrendo o centro após a passagem do caminhão, quando sobram alguns resíduos”, reclama.

Contraponto

O diretor de Meio Ambiente da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Sustentabilidade de São João del-Rei, Dalmar Trindade de Moura, diz que o problema é cultural. “A comunidade tem dificuldade em entender o sistema de norma sobre como a coleta acontece”, afirma.  Para sanar o problema,  a Secretaria procura fazer campanhas de conscientização anualmente. “Trabalho em conjunto com as Secretarias de Saúde e de Educação”, diz. Ele afirma que os coletores não carecem de treinamento. “O problema é o lixo mal acondicionado que por vezes se rompe na coleta”, justifica.

Mauri Ferreira, gerente da Jht Serviços Eireli, empresa de Congonhas responsável pela coleta do lixo de São João del-Rei, compartilha da mesma posição. “Em termos de como armazenar o lixo e destiná-lo ao local correto, depois de todas as cidades onde trabalhei, percebo que aqui falta educação por parte de moradores”, observa. E ensina: “Lixeiro é um termo errado, já que ‘lixeiro’ é quem suja e não quem limpa”. Ferreira também afirma que há vassouras nos caminhões. Mas, para resolver esse problema, tinha que haver uma “varreção” da Prefeitura, e não deles.

O analista ambiental autônomo, Alex Ferreira, crê que muito dos problemas de resíduo sólido urbano vem da falta de educação da população. E que, se houvesse cooperação entre as pessoas, boa parte da questão se resolveria. “Como analista ambiental, acredito que antes de reciclarmos, teríamos primeiro que reduzir e reusar.  Não sou contra a reciclagem, mas seria a última parte do processo. Sempre quando sou abordado em relação ao lixo, digo que todos deveriam conhecer um lixão ou até mesmo um aterro sanitário”, afirma. E ainda chama atenção para a situação das galerias subterrâneas por onde são jogados os “pequenos resíduos” através dos bueiros. “Pelo menos em médias e grandes, cidades o cenário é desolador”, completa.

Para Ferreira, uma boa alternativa para o resíduo sólido urbano seria a cobrança da taxa de lixo com valor proporcional ao lixo gerado. “Se o ônus provocado pelo descarte for repassado, haverá redução na produção de lixo”, acredita. Mas admite: “Os problemas envolvendo a geração do lixo são bem complexos, numa época em que a sociedade está cada vez mais consumista. As pessoas ainda não são educadas ambientalmente no sentido de reduzir. O valor economizado na diminuição da geração dos resíduos é maior que o ganho com a reciclagem”, conclui.

 

Texto/Dobras e Sobras: Daniela Mendes, Letícia Nara e Sinara Piassi
Fotos/Dobras e Sobras: Sinara Piassi
Reportagem na íntegra: dobrasesobras.wordpress.com/

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