O Colecionador
“Vocês me desculpem, eu ainda não tenho uma coleção muito grande, porque estou começando. Mas essa coleção não vai ficar muito grande, pois pretendo ter só uma de cada modalidade”. É com essas palavras que José Antônio Oliveira de Resende, 52 anos, professor do curso de Letras da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), recebeu-nos em sua casa, no bairro São Caetano. O nosso interesse era saber um pouco mais sobre aquelas bolas enfileiradas numa estante, e ele fez questão de nos contar não só sobre sua coleção de bolas raras, mas também sobre um pouquinho de sua vida. Entre as várias estantes, livros e outras coleções, José Antônio retruca: “a não ser que seja uma bola muito bonita, rara, aí eu posso repetir. São bem caras, mas vale à pena”.
São-joanense, José Antônio se lembra da infância e da adolescência jogando futebol de salão. Ele gostava de como o futebol era levado a sério, de como era realmente um esporte para ser levado no coração. Hoje, ele tem uma visão triste, pessimista sobre o futebol. Não se pode comemorar, não se pode mostrar a arte no gramado, nem ser ousado. A coleção, subjetivamente, começou desta frustração pessoal. “Olha como o futebol vem perdendo a identidade. Os times não são fieis mais às suas cores, ao seu hino. Mas a única coisa que fica é a bola. Essa não tem jeito de você mexer”, explica sobre por que começou sua coleção de bolas, as primeiras, de futebol. “É um respeito com a fidelidade que eu tenho com o futebol, com o esporte em geral”.
As bolas ficam enfileiradas numa estante: pingue pongue, futebol, basquete, rugby, handebol, basebol, espiribol, e a famosa bolinha de gude. Cada uma tem sua história, e José Antônio conta como elas foram parar na sua casa. “Essa é de pingue pongue brasileira, essa já é de pingue pongue chinesa. Essas bolas que eu vou mostrar para vocês nunca foram usadas. Mal, mal cai no chão”, explica. O esporte de mesa, muito praticado por José Antônio no passado, deixa saudades, e elas ficam nas bolinhas da coleção. “Eu viajo muito, então quando fico em hotel que tem área de mesa, eu e meu filho aproveitamos bastante”, conta.
“Essa aqui é uma bola do Barcelona, oficial. Essa aqui é uma miniatura de bola de basquete. Eu até poderia comprar uma bola de basquete e vou comprar, mas por ser muito comum eu preferi comprar uma miniatura, porque ela é mais rara”, explica José Antônio. “Essa aqui é de rugby. A de futebol americano é um pouquinho menor, mas eu não achei ainda”. A bola de handebol é oficial. “Eu não sabia que bola de handebol era tão chatinha, durinha e pesadinha. Pensei que era leve”, afirma.
Algumas de suas bolas são de colecionador. São de pequena escala e nem mesmo são de alguma modalidade esportiva. Umas são bolas de salão, outra de campeonato italiano, inglês. O Brasil gostou da idéia e lançou duas miniaturas de dois times. “O Brasil copiou e lançou duas de dois times que eu detesto, a dos corintianos e a dos flamenguistas. Mas ficaram bolas muito bonitas”, brinca, rindo. Atualmente atleticano José Antônio não é fanático. Inclusive tem as bolinhas dos outros times.
“Essa aqui é uma bola rara de basebol, muito rara. Ela é uma pedra”, demonstra José Antônio, jogando a bola na mesa, o que surte um barulho forte. Sobre como as compra, ele prefere ir à loja. “Eu não gosto de comprar pela internet, eu gosto de ir lá à loja, pois lá eu posso pegar, ver”, explica. Mas algumas coisas curiosas o impedem de comprar seus itens colecionáveis. Ainda indignado, José Antônio conta que não conseguiu comprar sua bola de tênis. “Fui comprar a de tênis semana passada, mas eles só vendem o pacotinho com seis. Ai é fogo”, reclama. “Certas coisas também que a gente vai comprar, dizem a gente só vende se você também comprar a raquete. A do basebol eles queriam me vender os tacos”, conta.
Voltando no tempo, relembrando as brincadeiras de criança, José Antônio nos mostra a bola de espiribol, aquela, que amarrada a uma corda, gira com ajuda de socos em torno de uma haste. As bolinhas de gude, talvez no lugar certo, não estavam na sua estante, mas sim na casa da sua mãe. O lugar onde, geralmente, as bolinhas de gude permanecem, junto com as lembranças da infância.
Além da coleção de bolas raras, José Antônio também tem outras. Livros, copos de água, anjos, latas de cerveja, vinil e suvenires de viagens. Ele mesmo explica. “Se você for para um campo psicanalítico freudiano, vai ver que toda coleção é uma necessidade que a gente tem de se apegar, ter fixação em alguma coisa. Se você for para os estudos culturais, pode ser a montagem de um arquivo de uma representação social. Mas eu não me aprendo a esses teóricos não, eu faço tudo de coração”, afirma.
José Antônio, além de colecionador, também já escreveu e dirigiu peças de teatro e é compositor (inclusive o hino da UFSJ, letra e música, é de sua autoria, além de sambas enredo de escolas de samba local e MPB). Formou-se em Letras pela então Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, hoje Universidade Federal de São João del-Rei. É pós-graduado em Língua Portuguesa pela PUC-MG, Mestre em Língua Portuguesa pela UFMG e Doutor em Estudos Lingüísticos, também pela UFMG. Em 1997 começou a lecionar no curso de Letras, onde está até hoje, dando aulas de latim elementar, intermediário e avançado. “Trabalho com escrita e criatividade, coisas de efeitos com a linguagem”, diz.
José Antônio já publicou oito livros, e escreve crônicas para três jornais, locais e da região, colecionando já cerca de 300 crônicas. “Eu já fiz crônicas sobre futebol. A última, dois caras conversam. Intitulada ‘Papo de bola’, toda a conversa deles eu fui recolhendo frases de futebol que entram no nosso linguajar. ‘E ai como você tá? Tô na área’”, diz. “Tudo o que eles falavam era expressão de futebol. Quem dera se o Juninho fosse Pernambucano, se o Ronaldo fosse gaúcho. Já que eles não estão nem ai para o Brasil, peguei e joguei uns apelidos”, brinca.
VAN/Walquíria Domingues