Por Felipe Lopes e Rafaela Tarsitani Reis


Nesta última semana, ocorreu em Tiradentes a 5ª Feira de Literatura Internacional de Tiradentes (FLITI). Entre os dias 09 a 13 de Abril, a programação contou com diversos bate-papos, palestras e lançamentos de livros. Com o tema “Mulheres de Prosas e Versos”, o evento foi marcado pela presença de autoras femininas de renome. Com muitas atividades, os ingressos esgotaram rapidamente, como o bate-papo O Lugar dos Escritor, com o escritor brasileiro, Milton Hatoum, o lançamento do livro “Cheia de Graça, uma jornada de humor, amor e cura” da atriz e humorista Heloísa Perissé, e o bate-papo sobre Cartografias Negras, com Teresa Cárdenas e Eliana Cruz, entre outros. Outra presença relevante, participando pela primeira vez da FLITI, a jornalista Fátima Bernardes intermediou o lançamento do livro de Perissé. 

Painel temático da 5ª Feira Literária Internacional de Tiradentes. Foto: Rafaela Tarsitani

Marimar, de lá para cá; Ana Luiza Novis

No sábado, dia 12, Ana Luiza Novis, psicóloga e escritora, lançou seu livro: Marimar, de lá para cá.  A obra é um livro infantil que conta a história de Miramar, um garotinho que amava as ondas do mar. Após uma breve conversa sobre o processo criativo e a história do livro, Ana proporcionou ao público um momento de interação, onde foram entregues folhas de papel e cada pessoa presente precisava montar seu próprio barquinho. Nesse momento, a autora destaca uma reflexão sobre a vida  com uma simples pergunta: “Onde seu barquinho te levou?”. Muitas histórias foram contadas pelo público e a autora finaliza com uma reflexão: “A beleza da literatura possibilita a conexão”.

Em um momento da entrevista para Vertentes Agência de Notícias (VAN), a autora foi questionada sobre o processo criativo do livro e onde o barquinho a levou. Novis conta que seu processo de criação acontece inesperadamente, ela não pensa em um tema, ela deixa o pensamento a levar aonde quer que ela navegue. Com foco principal na literatura infantil, Ana ressalta que ao estabelecer o ato da leitura desde cedo faz toda diferença e com o apoio de casa. Ela diz: “A criança que escuta a história contada pela mãe se torna uma leitora, pois estabelece uma relação afetiva com o texto”.

Em considerações finais, Ana cita o encantamento de participar da FLITI e a conexão com o público.“A literatura transformou a minha vida em um momento que eu estava entrando na maturidade, que eu me descobri escritora com 48 anos, hoje estou com 58. Então, há 10 anos estou vivendo essa paixão… Foi um resgate da menininha que contava histórias em frente ao espelho e, hoje, ela está aqui totalmente do lado de fora e eu quero continuar fazendo esse trabalho”, afirma.

O Lugar do Escritor; Milton Hatoum e Ruan Gabriel

Às 11h acontecia na FLITI uma conversa e troca de saberes. Uma conversa com o grande escritor brasileiro e autor de uma das maiores obras literárias: “Dois irmãos”, Milton Hatoum.Dando início ao bate-papo, Ruan, questiona Milton se o mundo se tornou uma espécie de guia para o artista. Em sua resposta, Milton diz que sim e ressalta: “Não escreva sobre aquilo que não conhece, na qual não está familiarizado”. Hatoum diz que falar em tranquilidade no Brasil não existe, tudo perturba a vida do escritor e, para escrever, você precisa de uma certa tranquilidade. Em seguida, Ruan  pergunta a Milton se ele tem alguma estratégia para escapar dessa tensão, e em um momento cômico ele diz: “O segredo está em fechar a porta, desligar o celular  com alguma bebida em alcance”.

Após Ruan Gabriel perguntar a Milton o porquê da ditadura militar estar presente em muitos de seus livros, o autor de Dois Irmãos conta que sua infância feliz acabou aos 12 anos, em 1964, com o início da ditadura militar no Brasil. Após 21 anos, ele estava  com 28 anos. Ele diz: “Meu tio foi levado algemado para Brasília e aquilo ficou na minha cabeça, ali, comecei a escrever meu primeiro texto que publiquei, aos 14/15 anos, que era um artigo sobre a segurança pública”, e ressalta: “A política está em todos os lugares, até mesmo no silêncio ou naqueles que não querem falar, o silêncio é um gesto político, minha vida foi toda vivida sob a ditadura”.

Milton Hatoum finaliza dizendo que opressões familiares de suas obras são reflexo do Estado, e diz que isso impacta em relações de preconceito entre pais e filhos. Além disso, o autor refletea sociedade está intolerante pós ditadura, um reflexo das violências policiais.

Milton Hatoum e Ruan Gabriel em conversa sobre o Lugar do Escritor. Foto: Rafaela Tarsitani

Parentalidades Atípicas; Estevão Ribeiro

Autor da obra “Guilhermina não gosta de não”, Estevão Ribeiro faz uma belíssima apresentação sobre ser pai de duas meninas autistas e seus desafios em relação à paternidade atípica, em mesa intermediada por Igor Duarte. Ele comenta sobre temas como paternidade, capacitismo e racismo e como estão presentes na sua vida enquanto pai.  Também, faz um relato sobre suas limitações em busca de melhores condições para suas filhas, visto que  carrega o estigma de ‘violento’,  por ser um homem negro que não pode se impor diante da sociedade em busca de condições melhores. Durante a mesa, Ribeiro refletiu sobre como a sociedade é alienada sobre o trato com o autista e como isso reflete na vida dessas pessoas de maneira negativa.

Suas obras mais recentes tem uma caráter social muito presente, como as obras “Sofia Marujo”, “Guilhermina não gosta de não” e “Retinta”. Em entrevista concedida à Vertentes Agência de Notícias (VAN) o escritor comenta que não tinha a intenção de produzir sobre temas raciais e autismo, mas que sua trajetória de vida o condicionou a isso. “A paternidade me trouxe uma nova visão sobre o que eu deveria escrever”. A apresentação de sua nova obra enfatiza a importância de escrever sobre aqueles que não têm espaço na mídia convencional e valoriza a representatividade de grupos  marginalizados do Brasil.

Estevão Ribeiro e Igor Duarte em conversa sobre Parentalidades Atípicas. Foto: Felipe Lopes

Cartografias Negras; Tereza Cárdenas e Eliana Cruz

Um encontro entre duas intelectuais negras, Tereza Cárdenas e Eliana Cruz, que abordam diversos temas das sociedades latinas e seus desafios e lutas com temas raciais. Ao serem questionadas por Alexandre dos Santos,  as autoras enfatizam a importância de voltar ao passado para entender a contemporaneidade racista na América Latina. Cárdenas diz que sua literatura tem a função de reavivamento histórico, já Eliana relata que sua compreensão sobre racialidade mudou após pesquisar sobre seus livros. 

A escritora compara cidades cubanas com as charmosas cidades brasileiras Tiradentes e Paraty, e diz que no solo dessas cidades tem sangue africano e que a sociedade não deve se esquecer de seu passado escravocrata. Eliana critica o olhar eurocêntrico para a literatura que gera uma alienação sobre outros continentes e suas culturas. Ela ressalta a importância de escrever sobre negros nos dias de hoje, e a luta por espaços, promovendo uma reflexão sobre o racismo no Brasil. 

Abordando a relevância da educação na vida dos mais pobres, Eliana comenta como foi influenciada por sua família para seguir os estudos e como a educação serviu de meio de transformação social. Ela critica o liberalismo meritocrático e condena discursos que incentivam o público a se afastar das universidades. Além disso, incentiva a população periférica a buscar sempre o conhecimento, a fim de se situar em ambientes que  sempre lhe foram negados. A importância de representar famílias negras em seus livros e escrever sobre histórias de superação pela educação, como é o caso do livro “Cartas para minha Mãe”, em que a personagem principal tem uma evolução pessoal através da  leitura. O diálogo atravessou assuntos de extrema relevância atual em um Ocidente que apaga personalidades negras e seus feitos.

Tereza Cárdenas e Eliana Cruz em conversa sobre Cartografias Negras. Foto: Rafaela Tarsitani

Cheia de Graça; Heloísa Périssé

Em lançamento de seu livro, a autora Heloísa Périssé conta sobre as  fases de sua vida, a superação do câncer, que descobriu em 2019, e sua relação com a espiritualidade. Mediada pela jornalista Fátima Bernardes, a apresentação da obra permeia diferentes fases da vida de Périssé, e qual sua relação com a gratidão diante dos desafios da vida.

Périssé enfatiza o seu agir diante dos obstáculos de sua jornada, e diz que tenta agir de maneira proativa e confiante em suas batalhas, enxergando sempre um lado positivo. Ao ser questionada sobre estar em litígio com Deus, a autora traz três reflexões: o amor incondicional d’Ele para com ela, seu relacionamento com Ele acima de tudo e que Deus sabe das nossas necessidades antes de nós mesmos. Ela cita que se apegou nesses pilares para ser grata por sua vida. A atriz comenta sobre como foi o início no Rio de Janeiro, enquanto estudava, e as primeiras oportunidades no teatro em um contexto caótico.

Com sua vida baseada em um Chevette, ela destaca o olhar positivo para funções de menos prestígio no teatro valorizando essas experiências  para a construção de sua carreira.

Heloísa cita que seu processo de cura foi um exercício de fé. “Fé é aceitar com resiliência o que configura na tua vida, sabendo que Deus não vai te dar uma batalha sem as ferramentas certas”. Heloísa comenta como foi superar o câncer, a tomada de decisão de se mudar para São Paulo e os desafios do tratamento, além das suas provações espirituais para realizar as sessões de quimioterapia. “A fé te diz: vai!”.  

Heloísa Périssé e Fátima Bernardes em conversa sobre a obra “Cheia de Graça”. Foto: Rafaela Tarsitani