Diálogos dos Saberes: O que tem acontecido no cenário alimentar?
Por Igor Chaves
O preço da cesta básica vem apresentando quedas consecutivas em São João del-Rei. Segundo dados da pesquisa mensal realizada pelo Núcleo de Extensão e Pesquisas Econômicas da UFSJ, o NEPE, em agosto, o custo da cesta básica apresentou uma queda de 0,76%, em comparação com o mês de julho. A baixa é uma boa notícia para o são-joanense, que busca driblar a alta nos preços dos alimentos nos mercados, influenciada, principalmente, pela instabilidade climática vivida nos últimos meses.
A cesta básica recebeu bastante atenção no último semestre. Ainda em julho, a Câmara dos Deputados aprovou a inclusão da carne, do queijo e do sal na cesta básica desonerada, decisão celebrada pela Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e apoiada pelo próprio presidente Lula. A medida faz parte do texto da Reforma Tributária. Caso a proteína não entrasse na lista de alimentos isentos, o reajuste nos valores pagos pelo consumidor seria de quase 10%, como aponta pesquisa da ABPA.
Em nota, a Associação Brasileira de Proteína Animal disse que a mudança é uma vitória para a luta da Segurança Alimentar no país. Contudo, enquanto a Reforma Tributária continua sendo debatida em Brasília, o brasileiro vem sentindo no bolso a instabilidade no preço dos produtos. De acordo com a pesquisa do NEPE, a banana, o arroz, o café, o óleo de soja e a própria carne bovina estiveram em alta no mês de agosto, com variações na casa dos 7%. Para setembro, a probabilidade é de que o reajuste nos valores dos alimentos seja maior.
A primavera, que começou no hemisfério sul na última semana, não trará novos ares ou renovação. Na verdade, a chegada da nova estação vai contra a expectativa de estabilidade no mercado, isso porque as previsões indicam uma nova onda de calor e uma série de eventos climáticos extremos, promovidos pelo fenômeno La Niña. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, a FAO Brasil, alerta sobre os riscos do novo momento climático para a Segurança Alimentar Mundial, uma vez que o tempo impacta diretamente na produção agrícola.
O La Niña, por exemplo, levará chuvas para o norte e nordeste do país, enquanto trará seca para o sul e sudeste. Com esse descentramento, as safras 2024/25 de soja e milho, por exemplo, serão impactadas negativamente, já a produção de arroz ganha reforço positivo com a estiagem que se aproxima. Agora, para agricultura familiar, responsável por alimentar 70% da população brasileira, a situação se agrava por causa dos incêndios, da entressafra e das pragas.
As frutas e as leguminosas são as que mais têm sofrido nos últimos meses. O feijão carioca, por exemplo, está com sua produção 11% abaixo do esperado, consequência da falta de chuva e do mosaico-dourado, doença transmitida pela mosca-branca. A laranja, por sua vez, vem sendo impactada pelas condições climáticas muito antes das ondas de calor que atingiram o país no último semestre. Entre 2023 e 2024, o preço da fruta subiu cerca de 42%, resultado das altas temperaturas e do greening, que vem afetando os pomares da região citricultora. As hortaliças e olerícolas, principais culturas produzidas na agricultura orgânica, também foram impactadas e mudaram os cenários das feiras e dos mercados locais.
De volta à carne bovina, o aumento nos preços é uma consequência da degradação dos pastos e o atraso no processo de engorda dos animais. A proteína, assim como as frutas, legumes e verduras citadas, aparece no Guia Alimentar para a População Brasileira que, desde 2014, apresenta diretrizes alimentares oficiais para a população nacional, tendo por objetivo a promoção da saúde da sociedade como um todo. O cenário agrícola atual coloca em risco o escopo apresentado há 10 anos atrás e ameaça a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) do povo brasileiro.
Na cidade de São Paulo, 12,5% da população, ou seja, 1,4 milhão de pessoas, vivem em estado de insegurança alimentar grave. Os dados são de um estudo realizado pelo Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional da capital em parceria com o Observatório de Segurança Alimentar e Nutricional da Cidade de São Paulo (OBSANPA), a Unifesp e a UFABC. O estado de insegurança alimentar grave remonta a falta de dinheiro para adquirir alimentos. Na pesquisa, 65,5% do total dos moradores entrevistados deixaram de comprar comida para pagar contas.
Na perspectiva de São João del-Rei, a análise do NEPE aponta que a cesta básica de agosto, mesmo em queda, comprometeu quase metade do salário mínimo, demandando um montante de 42,25%. O NEPE também determina que o valor do salário mínimo necessário para a manutenção de uma família de quatro pessoas residentes no município, em agosto de 2024, deveria equivaler a R$4.854,85. Com o aumento nos preços e a instabilidade do mercado, no fim do mês, a conta não fecha. Agora, a perspectiva para a primavera é de que o brasileiro tenha que se desdobrar para se alimentar e, finalmente, continuar a lutar a batalha de cada dia.