XII Café Literário: “Somos raiz deste chão”
Por Andhrey Taier da Silva Santos
Para aqueles que olham de fora, a cidade de São Tiago, na região das Vertentes, em Minas Gerais, é no máximo a “Terra do Café com Biscoito”, subestimando todo o potencial e os eventos que o município tem para oferecer. Em especial, destaca-se o Café Literário, um evento anual, onde toda a comunidade da Escola Estadual Afonso Pena Júnior se mobiliza para consagrar, na forma de apresentações teatrais e musicais, saraus e trabalhos, a literatura brasileira. Em 2023, o evento comemora sua décima terceira edição com o tema “Somos raiz deste chão”, voltando-se para a valorização da cultura e literatura dos povos tradicionais.
Resultando de um trabalho conjunto entre alunos, professores e membros da comunidade são-tiaguense, o Café Literário pode ser considerado o maior evento da escola hoje. Aqueles que já tiveram a honra de prestigiar as apresentações mal imaginam como ele cresceu ao longo de sua história. Seu início foi em 2009, quando a escola recebeu um acervo de livros literários para os alunos do Projeto Acelerar para Vencer (PAV) e duas professoras de língua portuguesa, Helena Marques e Walquíria Barros, tiveram a ideia de organizar um evento para a entrega desses livros e incentivar os alunos à leitura deles. Esse momento, que contou com o apoio da supervisora da época, Salima Caputo, e da diretora, recebeu o nome de Café Literário e já trouxe parte da cultura da cidade, servindo o tradicional café com biscoito aos envolvidos.
Em entrevista, a professora Helena Marques relata que nesse início a participação dos alunos era bem restrita, graças às inseguranças e à timidez, limitando-se a declamar poemas, ler textos e cantar algumas músicas. “A primeira edição foi bem restrita aos alunos do PAV, e tivemos a presença de alguns escritores de São Tiago, tais como Ermínia Caputo, Maria Ilza Mendes, Nilza Trindade e Eliza Cristina. Estas contaram suas experiências com a escrita, com a leitura, além de contar histórias de suas obras”.
Com o sucesso da primeira edição, o projeto seguiu adiante e foi ganhando forma, corais foram formados e peças teatrais começaram a ser organizadas, até um ponto que o evento, por necessitar de mais espaço, foi transferido para um palco improvisado na quadra da escola. As arquibancadas eram usadas como bastidores e salas de aula foram transformadas em camarins, não havia espaço no prédio escolar que não tivesse sido convertido em algo para o evento. Conforme o Café Literário crescia, o envolvimento dos alunos também aumentava, é certo dizer que são eles os protagonistas de todo o evento, grande parte da decoração da escola é confeccionada por eles e alguns teatros chegam a ser dirigidos pelos próprios discentes. Davy Reis, ex-aluno e estudante de letras, conta sobre sua experiência: “Nossa, assim, eu sempre amei o Café Literário; era uma expectativa gigantesca. […] então pra mim era o momento que eu tinha para mostrar para a escola que eu estava ali. Eu adorava aparecer por lá, tinha muito isso de um lugar que você, no momento que a gente podia mostrar os talentos que a gente tinha, de fazer uma coisa que você gosta. Era muito bom. E eu aprendi muita coisa, muita coisa mesmo.”
A professora de artes, Josy Marques, conta que entrou nesse projeto, a convite, para atuar como uma contadora de histórias. A cada ano, ela trabalhava com as obras de um determinado autor, escolhido com antecedência pela comissão do evento, e que esse trabalho ia crescendo com as edições até se tornar o que é hoje, sendo reconhecido como um evento da própria cidade. Ao longo de suas edições, o Café Literário trouxe nomes como Maria Serafina, Manoel de Barros, Carlos Drummond de Andrade, Ziraldo e Guimarães Rosa.
Esse padrão de homenagem a autores foi mantido até 2019, quando a comissão do evento decidiu se reinventar, fazendo com que o Café Literário daquele ano homenageasse não só uma autora, mas as escritoras do país como um todo. Sua décima primeira edição: “Renda-se… Vestida de escrevivências”, trouxe aos palcos discussões sobre a igualdade de gênero e a valorização da mulher. “Eu achei que ele foi muito bonito, muito bem produzido, sabe? Com apresentações assim, dignas! Eu fiquei muito impressionado. Como que eles valorizaram mesmo essa escrita feminina e não essa escrita feminina só canônica. Trouxeram muitas escritoras assim invisibilizadas, como, por exemplo, a Carolina Maria de Jesus, que eu adorei a performance que teve sobre ela.”, disse Davy, quando questionado sobre essa edição.
Com o sucesso da performance do ano anterior, em 2020, a abordagem se manteve, e a literatura marginal seria o foco da edição. Contudo, devido à pandemia da Covid-19 a produção do “Café Literário: ‘Ver com os olhos livres”‘, só pôde ser realizada em 2022. Nesse ano, o evento, que já tinha tomado uma proporção ainda maior, foi realizado na praça central da cidade, com um palco e mais recursos fornecidos pela prefeitura.
A professora Josy fala que essa mudança foi motivada não só pelas necessidades do evento naquele estágio, mas também pelo próprio tema: “Então, a literatura marginal a gente não viu numa quadra, a gente se viu na rua mesmo. Por isso que o Café Literário foi para a rua, porque o tema pedia isso, pedia essa de ir para a rua, de ser mais periférico também, de estar na rua“. Ela também comenta que essa mudança aproximou ainda mais o evento da comunidade, tornando essa interação, tão importante, ainda mais forte.
Uma vez que o tema do último ano pode ser considerado um sucesso, a comissão do Café Literário se manteve nessa linha trazendo o foco da edição de 2023 para os povos tradicionais, sua cultura e literatura. Com o tema “Somos raiz deste chão”, a escola segue em preparação para seu evento de maior prestígio, que ocorrerá nos dias 16 e 17 de junho, e promete ser tão grandioso, se não mais, que suas edições anteriores. A comunidade são-tiaguense aguarda ansiosa por esse dia, onde poderá prestigiar, mais uma vez, o fruto de um trabalho tão dedicado. Por fim, a declaração de Davy sobre o que é fazer parte desse evento: “O Café Literário é uma inserção na literatura, uma inserção de que você não apenas senta e vai assistir. Eu gosto de falar que o Café Literário é muito 360 graus, para todos os lugares que você olha tem alguma referência. Então é um mergulho e você está dentro daquela temática literária que está sendo trabalhada. Um mergulho literário, seria uma boa definição.”