Viver é partir, voltar e repartir
Por Geovana Nunes Alves Pereira
Menos de meio litro de sangue pode mudar uma vida inteira
A vida em São José do Goiabal era muito monótona. No interior de Minas Gerais. Nos anos 60. Nada muito inspirador. Nada muito emocionante. Por que não sonhar grande? Por que não ousar? Por que não ir para Belo Horizonte?
Lá o futuro parecia muito próspero. Era a capital! Assim, José da Luz embarcou para BH, aos 19 anos. Com o sonho de ser jornalista e muita vontade de viver.
Nas voltas que a vida dá, ele acabou abrindo uma fábrica de blocos de construção. Mas continuou sonhando. Participava de tudo na igreja. Fazia hidroginástica e aula de forró.
Muitos e muitos anos depois, em 2021, suas pernas foram amputadas. Sua vida foi readaptada. Começou a ouvir mais rádio, assistir mais televisão. Ele ama telejornal. É a voz do jornalista que vive nele.
José da Luz tem 83 anos. Quando precisou de transfusão de sangue, devido a complicações decorrentes da diabetes, foi salvo. Segue aproveitando a vida, assistindo seus programas preferidos e sendo um grande apaixonado por bolos de cenoura.
Quantas histórias 450ml de sangue podem salvar?
“É tão triste ter que vir coisa ruim para nos unir. E, nem assim, agora, Mano, ‘vamo’ embora a tempo. Viver é partir, voltar e repartir”. Após dizer que “é um ano todo só de sexta-feira treze”, Emicida apresenta uma noção da vida como extensão do mundo, como algo maior do que se pode ver. Na música “É tudo para ontem”, o rapper brasileiro, se une a Gilberto Gil em uma letra que fortalece todo o ato da doação de sangue.
José da Luz e mais três outras pessoas foram salvos por apenas uma bolsa de sangue.
Esses são os dados disponibilizados pelo Governo Federal, confirmados por Guilherme Araújo Moreira, que faz o cadastro e a captação dos doadores na cidade de Barbacena.
A pandemia mudou toda a dinâmica de trabalho. Menos agendamentos. Muitos doadores que já mantinham este hábito ficaram assustados com a forma que a vida ganhou.
O Posto Avançado de Coleta Externa (PACE) não pode depender de doações flutuantes. “Ela não pode ser em picos assim. Porque geralmente ela está baixa, aí acontece algo assim (um acidente) e ela dá uma subida. É muito importante. Só que a gente preza mais pela constância”, afirma Guilherme. O PACE é um local especializado em coletas de sangue, mas não é um Hemocentro.
Também existem pessoas que precisam de transfusões constantes. Como quem tem anemia falciforme e outras doenças que afetam o sangue. “Muita gente fala que você está ajudando outra pessoa. Mas, na verdade, você está ajudando a si mesmo. Se algum dia você precisar ou algum familiar seu precisar, tem sangue no estoque”, prossegue ele.
Existem outras condições urgentes, como a fatalidade nas estradas. “O sangue O- é muito importante pro SAMU, porque aconteceu um acidente na BR agora, uma emergência, a pessoa está precisando de sangue. Não dá tempo de saber se ela A + (…) o negócio é colocar um O- nela, que é universal e resolve o problema”, comenta Guilherme.
De acordo com levantamento feito pela Fundação Hemominas, os estoques dos tipos sanguíneos O+, O-, A+, A – e B- estão em estado crítico. O número de bolsas de sangue AB+ é estável e B+ é adequado. Mas quanto ao tipo AB- a situação é de alerta. Os dados são de todos os Hemocentros e Postos de Coleta do estado de Minas Gerais no dia 18 de abril.
Para doar no PACE de Barbacena, ligue no número da Santa Casa – (32) 3339-2400 – e agende sua vaga. São 60 vagas ao mês. 40 agendadas e as outras 20 espontâneas. Basta levar um documento com foto para fazer o cadastro. A coleta é toda segunda-feira de 8h45 às 16h.
Caso você tenha entre 16 e 60 anos, no mínimo 50 quilos e tenha feito tatuagem ou micropigmentação há mais de um ano, você pode doar. Quaisquer outras condições de saúde serão verificadas por uma médica. Em qualquer doação, vai haver uma triagem antes no local do procedimento. Mulheres podem doar de três em três meses, durante um ano e homens de dois em dois meses. Contando da primeira doação do ano.
Todos os profissionais que coletam sangue em Minas Gerais passam pelo treinamento do Hemominas. Fruto de uma iniciativa do SUS, ele tem um site (http://www.hemominas.mg.gov.br/) com todas as informações sobre doações de sangue.
Eu fico com a pureza da respostas das crianças
O Programa Sangue Bom, da UFSJ, é voltado para a captação de doadores. Ele busca sensibilizar as pessoas. Com posts nas redes sociais ou fazendo uma ponte entre universitários e o Hemominas de São João.
Nas caravanas que o Programa realiza, a Universidade Federal da cidade cede um ônibus para levar quem se inscreveu para doar. O Hemominas de São João fica na Rua Prefeito Nascimento Teixeira, número 175, no bairro Segredo. E funciona de 7h30 até 11h30 de segunda à sexta. O telefone de contato é (32) 3322-2900.
“A gente faz a ligação entre universitários e o Hemocentro. A ponte entre quem tem interesse em doar, mas fica meio assim (sem jeito) de ir sozinho. E, também o transporte que é muito legal, porque é um lugar que fica meio distante e o pessoal desanima de doar só por causa dessa questão da logística de chegar lá”, é o que narra Lívian Alves Ferreira, integrante do projeto.
Lucas de Souza Abreu, estudante de Biotecnologia da universidade e membro do Programa, relata uma das formas de captação. “No ensino infantil, uma das coisas que a gente usa é um vídeo da Turma da Mônica. Que é do pai do Cebolinha. Eles atrelam a ideia de doar sangue com a ideia do herói”, conta. Na revista em quadrinho, e no vídeo, o pai do personagem é um doador de sangue e é visto pelo filho como um herói.
No mês de junho vai acontecer mais uma caravana, pois dia 14 é o Dia Mundial do Doador de Sangue. Toda a divulgação é realizada no Instagram do Projeto (@programasanguebom) e a última caravana aconteceu no dia 11 de abril. Focada nos calouros, a iniciativa buscou contornar a falta de bolsas de sangue no Hemominas de São João del-Rei.
José da Luz viu seu sonho de ser jornalista realizado por sua neta, Lívian Alves Ferreira. Ele comemorou muito sua entrada no curso de Jornalismo na Universidade de São João del-Rei.
Participante do Programa Sangue Bom, ela conta um pouco do que lhe toca. “Porque eu sei que para o meu avô receber aquele sangue alguém precisou doar. E eu não faço ideia de quem foi. Mas, alguém teve a iniciativa de ir lá doar e salvou a vida dele. Se eu posso fazer isso por outra pessoa, não tem porquê eu não fazer”, diz. “ Talvez hoje você esteja doando e amanhã você precise do sangue de alguém. (…) O sangue é insubstituível”, continua.
Uma bolsa de sangue salva quatro vidas. Mas é impossível saber quantas histórias são salvas com o ato de repartir a vida.